Dia Nacional do Funk: A Importância do Reconhecimento Nacional para a Cultura Funk
Escrito por admin em 1 de agosto de 2024
Tamiris Coutinho, pesquisadora de música pop e periférica, junto com DJ Zé Colmeia e MC Smith, discutiram a importância do projeto de lei
Foto: Divulgação Instagram MC Smith // MC Smith em um show de funk no Rio de Janeiro.
Na última terça-feira,30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva PT), sancionou o projeto de lei que cria o Dia Nacional do Funk, a ser comemorado anualmente em 12 de julho.
De acordo com Tamiris Coutinho, pesquisadora acadêmica de Música Pop Periférica, o projeto representa uma importante conquista para a cultura e a música brasileira. Tamiris, que integrou a comissão responsável por avaliar e acompanhar o processo de desenvolvimento do projeto, trabalhou junto com outros pesquisadores e MC’s na sua elaboração. Segundo ela, a construção do projeto de lei envolveu muitas conversas e colaboração intensa entre os envolvidos.
“Esse projeto que foi assinado ontem, não começou agora. Trabalhamos muito em coletivo para que ele pudesse ganhar esse corpo. Muitos pesquisadores e MC’s estiveram com a gente nessa luta”, relata Tamiris.
Em conjunto, o “Coletivo Funk no Poder” desenvolveu e assinou um manifesto em prol do dia 12 de julho e iniciaram sua circulação, coletando assinaturas e organizando uma audiência pública pela Comissão de Cultura em 2021. As mobilizações começaram em março ou abril daquele ano. Após criarem o pré-projeto, realizaram a audiência pública e o projeto começou a tramitar no âmbito político, na Câmara e no Senado. Esse processo, que se estendeu por alguns anos, ocorreu de forma relativamente rápida, dependendo do ponto de vista.
MC Smith, que foi o primeiro MC a participar e fazer parte do debate do “Coletivo Funk no Poder”, explicou como foi participar das articulações com as lideranças em prol do projeto relatou que é muito importante o projeto de Lei, mas também afirmou que essa assinatura é só o começo da luta por reconhecimento e respeito.
“Agora que foi assinado esse projeto de Lei, precisamos mais do que nunca nos unir e pressionar os representantes por mais políticas públicas para o funk. É muito importante ter um dia nacional, mas e depois? Além de uma data comemorativa, precisamos de editais e dinheiro rodando na mão de MC´s e Djs”, explica MC Smith.
Uma das preocupações que Smith pontuou é a respeito do hype e da midiatização de uma parte da imprensa que só quer lucrar com a cultura. Segundo ele, pressionar os representantes é de extrema importância, pois, sem esse acompanhamento, o dinheiro destinado à cultura continuará indo para as mãos das mesmas pessoas que detêm o poder atualmente.
Importância do projeto em âmbito nacional
Para DJ Zé Colmeia, sócio da Street FM — a primeira rádio de música urbana do Brasil — e um veterano com mais de três décadas de experiência como produtor musical e compositor, o reconhecimento do funk como uma cultura é de extrema importância. Isso valida a luta e o trabalho daqueles que, como ele, têm contribuído para a construção e evolução deste gênero musical, que hoje é amplamente conhecido e celebrado em todo o mundo.
“A importância do funk ser reconhecido como cultura é validar toda a nossa luta, toda a nossa militância, e ajuda diminuir, pelo menos um pouco, os preconceitos que existiam e ainda existem em relação ao funk, uma música brasileira oriunda das comunidades”, afirma Zé Colmeia.
Validação do projeto em âmbito político
O projeto idealizado pelo “Coletivo Funk no Poder” e validade em âmbito político pelo então deputado federal Alexandre Padilha, atualmente ministro das Relações Institucionais, foi apresentado à Câmara dos Deputados em 2021. Nas redes sociais, o ministro compartilhou uma foto ao lado do presidente, comemorando a criação da lei.
“Reconhecimento mais que merecido para uma cultura que nasceu nas periferias e conquistou o Brasil e o mundo. O funk é voz, é identidade, é resistência”, escreveu Padilha no X (antigo Twitter).
AVISA QUE É O FUNK! 🎉🎶 🤙
Projeto de Lei de minha autoria, que institui o “Dia Nacional do Funk” foi sancionado pelo presidente @lulaoficial!!
Reconhecimento mais que merecido para uma cultura que nasceu nas periferias e conquistou o Brasil e o mundo. O funk é voz, é… pic.twitter.com/rdb8VjzOHU
— Alexandre Padilha (@padilhando) July 31, 2024
Segundo Tamiris, a data foi escolhida para homenagear o “Baile da Pesada” de 12 de julho de 1970. Evento que marcou a popularização do funk, que se espalhou pelas comunidades cariocas nas décadas seguintes e se difundiu por todo o país nos anos 1990.
“Para escolher a data aconteceu muita conversa, reuniões com funkeiros e pesquisadores de diversas partes do país. A escolha foi bem democrática”, relata Tamiris.
Segundo a pesquisadora existe uma parcela da sociedade, preconceituosa e racistas e para essas pessoas, a lei não vai interferir em nada porque essas pessoas não conseguem entender que cultura é um direito.
“Muitas delas misturam as pautas para perpetuar o preconceito de classe e continuarem marginalizando o funk”, pontua Tamiris.
No cenário das políticas públicas, verbas específicas são alocadas para financiar áreas fundamentais como cultura e saúde, por exemplo. Esses recursos são essenciais para impulsionar projetos, programas e serviços que impactam positivamente a sociedade. Além de fomentar o desenvolvimento, as verbas garantem o acesso a atividades que promovem o bem-estar e protegem direitos essenciais dos cidadãos. Assim, o investimento direcionado não apenas fortalece esses setores, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa.
Impacto social e econômico do funk
O impacto social do funk nas periferias é profundo e direto. As áreas periféricas que abrigam bailes funk geram diversas oportunidades de emprego para a comunidade local. Esses eventos empregam montadores de som, DJs, seguranças e pessoas responsáveis pela bilheteria. Além disso, permitem que moradores da comunidade montem barracas para vender bebidas e alimentos, como cachorros-quentes. O impacto social do funk nessas regiões é claro e significativo, promovendo inclusão e desenvolvimento econômico nas áreas mais periféricas.
“O impacto social do funk nas periferias é direto. Por exemplo, nas periferias que têm baile funk, há emprego para montador de som, DJ, bilheteiro, segurança, e as pessoas da comunidade conseguem montar barracas para vender bebidas e cachorro-quente. O impacto social é direto”, relata DJ Zé Colmeia.
Mudanças do Funk
As mudanças no funk desde 1970 foram significativas. A primeira grande transformação foi a nacionalização do funk, iniciada no Brasil pelo DJ Marlboro, por exemplo. O funk passou por várias fases, incluindo uma fase sombria com o rap e os bailes de corredor. Na virada do milênio, figuras como Dennis DJ e eu, enquanto estávamos na Furacão 2000, introduzimos coreografias nos bailes, transformando-os e popularizando o gênero. Essa mudança foi criticada por alguns, mas teve sucesso com eventos como o Castelo das Pedras e os CDs Tornado 1 e 2. Foi esse sucesso que me levou a São Paulo para expandir o funk, tornando-o mais comercial e pop.
“E é claro que, desde os anos 70 até hoje, tivemos muitas mudanças, ocorrendo por conta dos desenvolvimentos tecnológicos, dos debates sociais e políticos que aconteceram tanto no Rio de Janeiro, especificamente, quanto em um cenário mais amplo. Então, temos, claro, uma mudança em relação à forma de dançar, às sonoridades, com uma riqueza muito maior do que quando começou nos anos 70. Mas é uma diversificação, vamos dizer assim, que está sempre ligada a essa essência”, explica Tamiris Coutinho.
Segundo MC Smith, com as mudanças tecnológicas e com a democratização do acesso às redes, o cenário do funk também mudou e, com isso, muita gente da periferia deixou de ser refém das grandes produtoras para mostrar o trabalho construído com a música.
“Quando eu iniciei no funk existia uma gravadora que comandava tudo. Eles tomavam conta dos shows, das produções e se eu quisesse um vídeo clipe por exemplo, ficava refém do DVD deles. Hoje a realidade é outra, ainda é difícil mas eu já vejo os moleques das comunidades produzindo música de forma independente”, explica Smith.
A Coletividade e a Evolução do Funk: Da Essência dos Anos 70 às Mudanças Contemporâneas
O funk, desde suas raízes, sempre se caracterizou pela coletividade e pela expressão unida em grupo. Nos anos 70, a cultura dos bailes black e dos bailes sous simbolizava essa união, marcada pela presença dos bondes e pela dança em conjunto. Embora a década seguinte tenha trazido novas dinâmicas, como os conflitos entre os lados A e B e os bailes de briga, a essência do coletivo permaneceu uma constante.
Hoje, essa essência persiste, apesar das diversas transformações ao longo dos anos. A entrada das mulheres no universo do funk é um reflexo dessas mudanças, embora o debate sobre sua representatividade ainda seja crucial. Embora o número de mulheres tenha aumentado no cenário funk, a presença feminina ainda não é proporcional à dos homens em todas as áreas do ecossistema funk.
O cenário atual destaca a necessidade de continuar debatendo e promovendo a igualdade de gênero dentro do movimento. Nesse contexto, a aprovação de leis que garantam melhores condições e mais oportunidades para as mulheres no funk é uma questão fundamental. As mudanças são evidentes desde os anos 70, mas o caminho para uma representação equitativa e justa ainda está em andamento.